segunda-feira, 2 de maio de 2011

Hum ! . . .


O meu amor é esquisito. É uma máquina avariada, que dá rateres como válvulas entupidas ou artérias desaguizadas. Mais do que esquisito é esquisitóide, esquizofrénico, esquizóide. Tão depressa foge de ti como te encosta à parede. O meu amor nada tem de feliz: arranha, impede, deseduca; e quer coisas, muitas coisas: é novo-rico e deslumbrado, não lhe basta uma cabana. O meu amor não quer saber de sexo, do teu sexo, por vezes nem quer saber de nada: é desdenhoso e egoísta, sofre de dores só suas, dói-lhe tudo e coisa nenhuma. Quando te come e te engole inteiro, precisa digerir-te e giboiar pela cama, suar-te pelos poros, pelos intestinos. Não mergulha logo a seguir de novo em ti, que é dado a congestões e pode morrer. Aliás, o meu amor já morreu, acontece-lhe de vez em quando: segue o caminho da luz, para onde tudo é paz e depois ressuscita. Mas está sempre moribundo, enterrado no sofá coçado, precisado de um abanão, de se desbaldar pelo soalho quando estás longe. O meu amor é oportunista e pouco ou nada romântico: agride quando o acarinhas, faz-te refém e não negoceia, não pede aviões nem salvo-condutos, apenas te morde e não larga, a não ser quando te deita fora. O meu amor é feio e com dedos em forma de lâminas, vem e mata-te em sonhos, por isso não dormes; mas às vezes também cheira a prados verdes e enche-te de música no coração, pulsante de coros celestiais. O meu amor bebe os ares por ti quando estás e esquece-te quando vais embora, fica dormente e distraído, não te espera na volta mas quando voltas desperta e cresce num ápice, transgénico. O meu amor é esquisito.

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